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Transcrição da aula pública do Vladmir Safatle

Aula Pública n° 03 com Prof° Vladmir Safatle em 26/10/2011

“Na verdade vocês são uma peça na engrenagem que se montou de uma maneira completamente inesperada e imprevisível em várias partes do mundo. Existem certos momentos na história onde um acontecimento aparentemente localizado, regional, tem a força de mobilizar uma série de outros processos que vão ocorrendo em várias partes do mundo. Ou seja, as ideias quando elas começam a circular desconhecem espaço, não conhecem as limitações do espaço, elas constrõem um novo espaço. E de uma certa maneira, vocês aqui são uma peça de uma ideia que aos poucos vai construindo um novo espaço, através dessas mobilizações mundiais que tocam várias cidades, Nova York, Cairo, Túnis, Madri, Roma, Santiago e agora São Paulo. Gostaria de lembrar para vocês um exemplo que me parece bastante interessante, de como uma ideia pode ignorar o seu espaço original. Existe um fato histórico, muito impressionante e que nos toca de uma maneira relativamente próxima, por que diz respeito a uma coisa que hoje o Brasil esta envolvido, que é a revolução no Haiti em 1804.

Foi a primeira revolução feita por escravos, escravos que se libertaram do domínio francês. Aconteceu um fato bastante impressionante no interior dessa história que é mais ou menos o seguinte. Em 1793, a Assembléia Nacional Francesa, Assembléia Revolucionária Francesa – graças aos jacobinos – resolveu abolir a escravidão nas colônias. Era o resultado de um princípio, princípio da igualdade radical. Se nós defendemos a igualdade radical não é possível que a igualdade valha apenas nesse país e não valha em outro lugar, ela deve ser incondicional, deve desconhecer espaço e deve desconhecer tempo, então ela vale tambám para as colônias. Quando Napoleão assume o poder, tenta rever esse decreto, ou seja, fazer com que a escravidão voltasse a operar nas colônias. Os haitianos se sublevam, e Napoleão manda tropas ao Haiti. E acontece um dos fatos mais impressionantes da história nos últimos 200/300 anos. No momento da guerra, quando as tropas francesas estão de um lado e as tropas haitianas do outro, os franceses comecam a ouvir, cantado do outro lado, a Marselhesa – o hino francês, hino da revolução francessa. Isso arrebentou moralmente com as tropas francesas, eles perderam a guerra. Começaram a se perguntar ‘Afinal de contas, contra quem estamos lutando? Nós estamos lutando contra nós mesmo, contra nossos ideiais que agora se voltam contra nós. Por que na boca desses ex-escravos esses ideais sao mais verdadeiros do que na nossa própria boca.’

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Aula aberta

Hoje (26), no AcampaSampa, teremos a presença do filósofo e professor da USP Vladimir Safatle, que às 19 horas ministrará a aula aberta Primaveras, Políticas e Estados.

Para dar um gostinho do que vem por ai, deixamos aqui um texto que Vladimir Safatle escreveu em sua coluna semanal no jornal Folha de São Paulo.

 

Eles sabem o que fazem

Um dos mantras preferidos daqueles que chegam aos 40 anos é: os jovens de hoje não têm grandes ideais, eles não sabem o que fazem.

Há algo cômico em comentários dessa natureza, pois os que tinham 18 anos no início dos anos 90 sabem muito bem como nossas maiores preocupações eram: encontrar uma boa rave em Maresias (SP), aprender a comer sushi e empregar-se em uma agência de publicidade. Ou seja, esses que falam dos jovens atuais foram, na maioria das vezes, jovens que não tiveram muito o que colocar na balança.

Por isso, devemos olhar com admiração o que jovens de todo o mundo fizeram em 2011.

Em Túnis, Cairo, Tel Aviv, Santiago, Madri, Roma, Atenas, Londres e, agora, Nova York, eles foram às ruas levantar pautas extremamente precisas e conscientes: o esgotamento da democracia parlamentar e a necessidade de criar uma democracia real, a deterioração dos serviços públicos e a exigência de um Estado com forte poder de luta contra a fratura social, a submissão do sistema financeiro a um profundo controle capaz de nos tirar desse nosso “capitalismo de espoliação”.

Mas, mesmo assim, boa parte da imprensa mundial gosta de transformá-los em caricaturas, em sonhadores vazios sem a dimensão concreta dos problemas. Como se esses arautos da ordem tivessem alguma ideia realmente sensata de como sair da crise atual.

Na verdade, eles nem sequer têm ideia de quais são os verdadeiros problemas, já que preferem, por exemplo, nos levar a crer que a crise grega não seria o resultado da desregulamentação do sistema financeiro e de seus ataques especulativos, mas da corrupção e da “gastança” pública.

Nesse sentido, nada mais inteligente do que uma das pautas-chave do movimento “Ocupe Wall Street”. Ao serem questionado sobre o que querem, muito jovens respondem: “Queremos discutir”.

Pois trata-se de dizer que, após décadas da repetição compulsiva de esquemas liberais de análise socioeconômica, não sabemos mais pensar e usar a radicalidade do pensamento para questionar pressupostos, reconstruir problemas, recolocar hipóteses na mesa. O que esses jovens entenderam é: para encontrar uma verdadeira saída, devemos primeiro destruir as pseudocertezas que limitam a produtividade do pensamento. Quem não pensa contra si nunca ultrapassará os problemas nos quais se enredou.

Isso é o que alguns realmente temem: que os jovens aprendam a força da crítica. Quando perguntam “Afinal, o que vocês querem?”, é só para dizer, após ouvir a resposta: “Mas vocês estão loucos”.

Porém toda grande ideia apareceu, aos que temem o futuro, como loucura. Por isso, deixemos os jovens pensarem. Eles sabem o que fazem.

AULA ABERTA, QUARTA, 26/10, 19H

Quarta-feira-26/10/2011 às 19h:

AULA ABERTA COM VLADMIR SAFATLE (Faculdade de Filosofia, FFLCH/USP) PRIMAVERAS, POLÍTICAS E ESTADOS, NO #ACAMPASAMPA SOB O VIADUTO DO CHÁ